domingo, 22 de março de 2015

CORRIGINDO O INCORRIGÍVEL: SILENCIAMENTO DO CROMOSSOMO EXTRA RESPONSÁVEL PELA SÍNDROME DE DOWN


http://www.parenting.com/gallery/a-special-joy-5-babies-with-down-syndrome
A síndrome de Down é uma condição clínica causada pela trissomia do cromossomo 21 (existem três cromossomos 21 ao invés de dois nas células dos indivíduos afetados). Descrita em 1862 pelo britânico John Langdon Down,  está associada a dificuldades cognitivas e de desenvolvimento físico. Sua frequência é estimada em 1:1000 ou seja, de 1000 nascimentos hipotéticos é provável que 1 seja de uma criança extremamente fofa e carinhosa portadora da síndrome. 
Recentemente (2013, nem tão recentemente assim) o mundo científico (e não só ele) foi alvoroçado com a publicação do artigo Translating dosage compensation to trisomy 21 na revista Nature, um dos mais respeitados periódicos científicos da atualidade.  Pesquisadores da Universidade da Escola Médica de Massachusetts, Sangamo BioSciences na Califórnia, e da Universidade da Columbia Britânica no Canadá foram capazes de inativar o cromossomo intrometido cuja presença é responsável pela tão conhecida síndrome descrita pelo Dr. Down. 

Como eles puderam fazer isso? Aliás, isso é possível, silenciar (desligar) um cromossomo inteiro?! Pois bem, pode-se dizer essas frases expressam bem a reação de muitos ao receber essa informação. 

  Como é de conhecimento da maioria desde as aulas de biologia do Ensino Médio, o ser humano possui 46 cromossomos, totalizando 23 pares. Destes, 1 par é responsável por determinar o sexo de cada indivíduo: nas mulheres os dois cromossomos do par são X e nos homens um é X e o outro é Y (o uso das letras para representar os cromossomos deriva diretamente da forma de cada um sob o microscópio óptico). Como os dois cromossomos X, presentes nas mulheres, carregam cópias dos mesmos genes ou seja, são homólogos, e cada gene tem por função coordenar a produção de uma ou mais proteínas na célula (a expressão gênica) ,era de se esperar que indivíduos do sexo feminino tivessem o dobro de atividade do cromossomo X em relação aos do sexo masculino. Isso teria um impacto enorme a nível microscópico e também macroscópico. Então, se pergunta você, o que impede que isso ocorra? 
O heroi aqui é um gene chamado XIST (the X-Inactivation gene) que é capaz de inativar o cromossomo X extra das fêmeas, "um mecanismo natural para compensar a diferença na dosagem de cópias de genes ligados ao X entre fêmeas e machos de mamíferos." Isso de dá através de um RNA (Ácido ribonucleico)  não codificador do XIST que se acumula na estrutura do cromossomo em intérfase  - período do ciclo celular em que a célula não está se dividindo - e induz várias modificações e alterações que impedem que o cromossomo silenciado seja transcrito, fenômeno citológico visível  como um corpúsculo de Barr".

Conceito para traduzir compensação de dose para trissomia do 21

O objetivo dos pesquisadores era verificar se o gene XIST humano poderia ser útil para silenciar uma cópia do cromossomo 21, criando um sistema para estudar as patologias dessa condição bem como as mudanças na expressão genômica. Para isso fizeram uso de enzimas chamadas nucleases, capazes de cortar trechos do material genético, para inserir o transgene citado em uma região rica em genes do cromossomo 21 em células iPS (Células tronco Pluripotentes induzidas) derivadas de um paciente com Down. 
Os resultados foram realmente interessantes - ainda mais se levarmos em conta o fato de os cientistas terem conseguido integrar com sucesso o XIST, o maior transgene conhecido, em um ponto específico do DNA das células estudadas. Assim como ocorre com um cromossomo X naturalmente inativado por XIST, o cromossomo 21 no qual o gene havia sido inserido ficou perceptivelmente condensado, mostrando que houve formação de um corpúsculo de Barr característico. 
Há um gene chamado APP, que também fica no cromossomo 21 e é responsável pela produção de uma proteína chamada B-amiloide, cujo acúmulo pode levar ao desenvolvimento precoce do Alzheimer, doença característica da síndrome de Down. Esse gene, conforme constata o estudo, foi alvo de repressão pelo querido XIST, e tinha sido completamente silenciado após 20 dias de experimento. Ou seja, foi provado que XIST também tem grande utilidade para silenciar alelos (cópias) de genes específicos, muitos deles diretamente relacionados a sintomas da síndrome. Impossível não pensar quais seriam as implicações disso in vitro, não é? Some-se a isso o fato de que o prejuízo proliferativo das células cerebrais de pacientes com Down, ligado à superexpressão do 21,  pôde ser reparado com o "desligamento" do danadinho.
E tem mais! (calma que estamos perto do fim). Quando o XIST era inserido em dois ou nos três cromossomos 21 de uma célula, a expressão do gene era perdida, "o que mostra que há seleção in vitro e adaptação epigenética para contornar a criação de uma monossomia (presença de 1 cromossomo ao invés de 2) ou nulissomia (ausência de determinado cromossomo)". Enfim, a "compensação de dosagem do desbalanço cromossômico apresenta um novo paradigma, com oportunidades para avançar a pesquisa em síndrome de Down em múltiplas direções incluindo um novo meio para investigar as patologias celulares da síndrome de Down humana, que são em grande parte desconhecidas".

Acho que uma frase que ouvi certa vez se aplica gloriosamente ao trabalho destes pesquisadores:

"Creio que a sociedade entrará em colapso se a competência média de seus membros, encarregados de manter os sistemas que preservam a vida, não for consideravelmente aumentada e se a capacidade dos mais talentosos não for desenvolvida completamente, de modo a promover o bem geral" 
Potter, V.R in Bioetics for Whom? Ann. N.Y. Acad. Sci. 196/4:200-205, 1972