sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

IDEIAS GENIAIS CONTROVERSAS: OS LIMITES DA (PSEUDO)CIÊNCIA

    Terminei recentemente a leitura do livro Ideias Geniais Controversas de Surendra Verma (Gutenberg, 2014) e as conclusões possíveis são várias, mas não superam as questões e reflexões que ficam pairando após a leitura (algumas delas são base para este post). Longe de ser um clássico da literatura científica ou qualquer coisa do tipo, o livro cumpre bem a função de divulgar a ciência ou, nesse caso, expor os limites entre ela e sua irmã gêmea do mal, a pseudociência. O mais interessante é tomar a leitura como base para questionar a real natureza da investigação científica, a supervalorização do método científico como caminho para chegar à verdade e a natureza das transformações científicas, que constantemente validam ou refutam as teorias vigentes (muitas das quais perduraram por séculos).
Apesar do meu preconceito receio sobre ler livros de ciência escritos por jornalistas (acreditem, não é raro encontrar umas aberrações por aí), o autor do livro está, por assim dizer, familiarizado com a área. Em pequenos artigos de em média duas páginas, assuntos como Petróleo de origem abiogênica, Frenologia, Extraterrestres, Calendário Maia e até Psicanálise (sim, há quem se atreva a pôr Freud em xeque) são apresentados e em sua maioria desbancados de qualquer pretensão científica que almejassem obter. O prólogo do livro também alerta o leitor a respeito das diferenças entre a ciência real e as "histórias para boi dormir", sendo os critérios principais a prova pelo método científico (o que mais você esperava?) e as diferenças entre a postura de um real cientista e a de um fanático. 
Historicamente, o método científico tem em suas origens os nomes de Francis Bacon e René Descartes, sendo este último o responsável por lançar seus fundamentos com o famoso Discurso do Método. No contexto do Renascimento cultural e científico pós Idade Média, estava em alta a extrema valorização da razão humana, expressa na máxima cogito ergo sum (penso logo existo) proferida pelo papai Descartes ao defender que o pensamento seria o único caminho seguro para atingir a verdade, uma vez que os sentidos não eram confiáveis nem capazes de fornecer uma análise objetiva da realidade. Assim, os passos Observar > Problematizar >  Hipotetizar > Experimentar > Concluir passaram a ser o caminho base em qualquer investigação científica minimamente séria. É daí que deriva boa parte do pensamento ocidental no que diz respeito à ciência, inclusive a ideia de infalibilidade e sensação de confiabilidade associadas a ela. Haja visto o respeito que um texto transmite quando começa com a frase "cientistas descobriram que...". 

Mas será esse método o real caminho à verdade? Quanta confiança depositar nele? Ou ainda, será que o cientista ao pô-lo em prática deixa realmente de lado toda subjetividade, o seu 'lado humano'? 
Não se pode negar que há vários fatores que influenciam uma investigação além do Método propriamente dito: recursos materiais e tecnológicos aplicados na pesquisa, o tipo de problema investigado, a visão de mundo do pesquisador e da sociedade em que está inserido e o contexto político, entre outros. Há atualmente cada vez mais estudiosos da ciência pós-moderna (principalmente filósofos da ciência) que defendem a Intersubjetividade, a noção de que o observador integra o fenômeno que estuda. Esses são exemplos de como algumas das perguntas anteriores podem ser respondidas, mas estão longe de ser respostas universais para esse tipo de questionamento (se é que elas existem). 
     Não é novidade que a ciência muda com o tempo. Desde os livros didáticos da escola, muitas teorias são introduzidos de forma que sua validade seja reconhecida em contraposição a outras teorias do passado já refutadas, como o geocentrismo, lamarckismo, o homem de Piltdown, o flogístico e o éter luminífero. O fato é que a ciência passa por períodos de mudança que ficaram conhecidos como Revoluções Científicas - termo utilizado pelo filósofo da ciência Thomas Kuhn em sua obra A estrutura das revoluções científicas, 1962 -, e que fazem transformações no mínimo drásticas nos paradigmas (padrões, concepções básicas). Nesse sentido, o que é tido como verdade hoje pode não ocupar mais essa posição amanhã e a incapacidade de comprovar determinada teoria hoje não significa necessariamente que ela seja falsa. Essa ideia ganhou força com a obra do físico, matemático e filósofo da ciência Karl Popper que propôs o Critério da Refutabilidade: uma teoria é verdadeira até que seja refutada e sejam expostos seus llimites e falhas. Daí a importância de dar a si mesmo constantemente o "benefício da dúvida" já que a prática científica, independentemente do método em que se baseie, é por definição uma atividade dinâmica. Este é o principal ponto que pode ser levantado com a leitura do livro (que recomendo), por apresentar teorias que, se não são refutadas por completo, não podem ser também desacreditadas inteiramente. Pelo menos não até agora.
     Obviamente, muitas teorias pseudocientíficas são descartadas imediatamente por serem insustentáveis factualmente mas, a despeito disso, a ciência deveria se mostrar humilde o suficente para reconhecer suas limitações quanto a alguns fatos que ela ainda não foi capaz de explicar, mesmo que isso seja só até a próxima revolução científica. De qualquer forma, não deixa de ser verdade que a crença cega é também um lugar perigoso (apesar de oferecer certa segurança), principalmente quando impede que outros pontos de vista sejam considerados e ainda mais quando rejeita provas palpáveis que invalidam uma teoria, por mais bonita que ela seja. Outra situação interessante é quando uma teoria validada diverge do senso comum e dos conceitos já cristalizados no imaginário coletivo, o que contribui para o aprofundamento do abismo entre a ciência e o público. Um bom exemplo é a Teoria da Relatividade de Einstein que deu novo significado aos conceitos de espaço e tempo e abalou a física newtoniana que, reinando suprema por tanto tempo, chegou até mesmo a ser considerada a resposta absoluta para todas as questões abordadas pela física. Como diria o físico e filósofo Oscar Matsuura, é em casos assim que "o pouco que é passado para o grande público a respeito da ciência é uma mistificação obscura que, em vez de esclarecer, só confunde e intimida". Aliás esse pode ser considerado o motivo pelo qual muitas teorias travestidas de ciência são aceitas pelo público.
Por enquanto o método científico ainda se mostra uma das maiores criações do intelecto humano, mesmo que esteja longe de ser a resposta para OVNIs, vida após a morte, experiências extrassensoriais e teletransporte (já que nem tudo pode ser provado empiricamente), e continuará se fazendo presente na vida de muitos a partir do momento mágico em que a professora do ensino básico orienta os alunos no clássico experimento de cultivar feijão num pedaço de algodão molhado. No fim, são iniciativas como essa - utilizando o método já tão citado - que muitas vezes despertam o cientista dormente dentro de cada um e que permitem ao homem continuar sua incessante busca pela verdade. 



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